sábado, 29 de maio de 2010

O Perdão Cristão


"Felizes os que são misericordiosos, porque encontrarão misericórdia" - (Mateus, Cp 5 v.7).

"Se perdoardes aos homens as faltas que eles fazem contra vós, vosso Pai celestial vos perdoará também vossos pecados, mas se não perdoardes aos homens quando eles vos ofendem, vosso Pai, também, não vos perdoará os pecados" - (Mateus, Cp6, v. 14-15)

"Pedro aproximou-se de Jesus, e perguntou: 'Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?' Jesus respondeu: 'Não lhe digo que até sete vezes, mas setenta vezes sete" - (Mateus, Cp 18 - v. 21-22)

Essa três passagens do Evangelho de Mateus nos dizem quais são os fundamentos do perdão segundo a Bíblia. Para resumir seria dizer: "Perdoai para que Deus vos perdoe". Nesse sentido, eu só obtenho o perdão de Deus se eu for capaz de perdoar os crimes contra mim cometidos. E mais, Mateus nos fala de misericórdia e, sempre que essa palavra aparece em seu texto, ela se refere 1) ao Perdão das ofensas e 2) ao Esquecimento;

O texto bíblico nos fala, ainda, que o esquecimento das ofensas é próprio de uma alma elevada, que está acima dos insultos que possa receber; que a misericórdia deve ser ilimitada e que só tem o direito de reclamá-la aquele que age com misericórdia.

Nesse sentido, Deus é incapaz de perdoar em dois casos: 1) pelo mal que uma pessoa eventualmente tenha feito sem se arrepender; 2) uma pessoa que tenha faltado com indulgência e caridade, não perdoando aqueles que lhe tenham feito mal.

Existem, na Bíblia, duas formas de 'perdão': 1) o verdadeiramente generoso, que poupa com delicadeza; 2) aquele que impõe condições e faz sentir o peso de um perdão que irrita, em lugar de acalmar. Para Deus, o perdão válido seria somente o primeiro, já que o segundo cria mais ódio e desaconchego.

Minhas discordâncias com esse tipo de perdão aparecem de diversas formas:

1) O 'Perdoar para ser perdoado' cria um mal-estar de consciência que força o perdão por receio, e qualquer tipo de perdão forçado não é verdadeiramente perdão, pois este deve ser espontâneo e autêntico, sem qualquer força externa que o obrigue. Quando penso que só serei perdoado e, à partir daí, merecedor do Paraíso se eu perdoar, o perdão se torna uma obrigação quando na verdade não o é. O medo da condenação de Deus e da ida para o Inferno aparecem como as verdadeiras causas desse sentimento, que deixaria de se vincular ao amor e se vincularia ao medo;

2) A misericórdia, necessária àqueles que pretendem o Paraíso, seria uma união de sentindo do que entendemos por perdão e por esquecimento. Mas se uma situação está perdoada, por que devo esquecê-la? Se o perdão desliga o passado sem aniquilá-lo, pondo um fim ao mal-estar, à raiva e ao ressentimento, lembrar dessa situação não causará discórdia, pois, se isso acontecer, não terá ocorrido verdadeiramente o perdão. Além disso, o esquecimento impede a memória e a identidade. Devemos nos lembrar que situações ruins e situações boas são igualmente importantes na construção de nossa personalidade e de nosso 'espírito' (entendam essa palavra como preferirem). Desse modo, esquecendo as más lembranças estaremos apagando também parte importante do nosso caráter.

3) Se ser misericordioso significa ser uma alma elevada, temos aqui construído uma hierarquia entre almas: a elevada e a não-elevada; a que perdoa e a que não perdoa. Temo a achar que isso criaria um condicionalismo: só serei capaz de perdoar se eu for uma alma elevada e serei incapaz de perdoar se eu for uma alma não-elevada. Me parece que nesse caso, já nascemos predestinados a ser "perdoadores" e "não-perdoadores". Por outro lado, o quão seria elevado o meu ato de perdoar se eu o fizer temendo ser punido por Deus?

4) Se para Deus o único perdão válido é aquele "verdadeiramente generoso", Ele pressupõe incondicionalismo em toda forma de perdão verdadeiro. Isso é interessante e intrigante ao mesmo que é contraditório, pois se Deus só é capaz de perdoar aqueles que haviam perdoado, não teria Ele mesmo uma forma de perdão condicional? Nesse sentido, só consigo pensar no "faça como eu digo, mas não faça o que eu faço". Estranho, né? Pois se Deus fosse passível de julgamento sob as leis que ele teria criado e nos transmitido através da Bíblia, Ele não seria perdoado.

A situação é estranha, mas gostaria de ressaltar o fato de eu não ser ateu, mas muito pelo contrário. Só acho que o credo cego se torna estupidez. Por outro lado, não acho que todos devam concordar comigo ou achar minhas críticas racionais, mas acho que o debate é sempre válido e que não devemos tomar as coisas como dadas, pois nesse caso se criam dogmas e estes já serviram para que muitos horrores acontecessem.

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