terça-feira, 29 de junho de 2010

O Perdão Cristão (2)



"Certo dia, Jesus estava ensinando. Estavam aí, sentados, fariseus e doutores da Lei, vindos de todos os povoados da Galiléia, da Judéia e até de Jerusalém. E o poder do Senhor estava em Jesus, fazendo-o realizar curas. Chegaram, então, algumas pessoas levando, numa cama, um homem que estava paralítico; tentavam introduzi-lo e colocá-lo diante de Jesus. Mas, por causa da multidão, não conseguiam introduzi-lo. Subiram então ao terraço e, através das telhas, desceram o homem com a cama, no meio, diante de Jesus. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse: "Homem, seus pecados estão perdoados".
Os doutores da Lei e os fariseus começaram a pensar: "Quem é esse, que está falando blasfêmias? Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso!" Mas Jesus percebeu o que eles estavam pensando. Tomou então a palavra, e disse: "Por que vocês pensam assim? O que é mais fácil? Dizer: 'seus pecados estão perdoados'. Ou dizer: 'Levante-se e ande'? Pois bem: para vocês ficarem sabendo que o Filho do Homem tem poder para perdoar pecados, - disse Jesus ao paralítico - eu ordeno a você: Levante-se, pegue a sua cama, e volte para casa." No mesmo instante, o homem se levantou diante deles, pegou a cama onde estava deitado, e foi para casa, louvando a Deus. Todos ficaram admirados, e louvavam a Deus". (Lucas 5, 17-26)

Jesus foi, inegavelmente e antes de qualquer outra coisa, um grande reformador social. O seu novo conceito de perdão é, sem dúvida, um grande passo em direção ao senso de perdão verdadeiro. Antes dele o perdão era um poder divino, exclusivo de Deus: só Ele poderia perdoar as faltas humanas. O perdão ensinado por Jesus humaniza o poder de perdoar, ou seja, transfere parte desse poder divino também aos homens. Desse modo, não é verdade que somente Deus possa perdoar; mais do que isso, os ensinamentos de Jesus chega a des-protagonizar o papel de Deus na relação entre os homens. O perdoar humano não seria uma atitude de Deus manifestada através dos homens, mas verdadeiramente o exercício do livre arbítrio: perdoar ou não é uma questão individual.
Apesar desse avanço, e como já disse antes, o conceito de perdão contido nos evangelhos ainda é limitado. Pois se o perdão cristão deve ser mobilizado pelos homens entre si, só o é na esperança de ser perdoado ou recompensado por Deus no dia do juízo final.
Se Deus recompensa ou perdoa os pecadores, o perdão deixa de ser um fim em si mesmo, tornando-se uma obrigação forçada pelo medo ou pelo interesse.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

quarta-feira, 23 de junho de 2010

domingo, 20 de junho de 2010

Hipocrisia e Superstição

Governista Juan Manuel Santos vence eleições à Presidência da Colômbia

O ex-ministro da defesa do Uribe, Juan Manuel Santos, foi eleito novo presidente da Colômbia com 70% dos votos. Como de costume, muita violência sacramentou o dia, ocorreram ataques e mortes durante a semana e hoje policiais perderam a vida.
Não sendo o voto obrigatório na Colômbia, o nível de abstenção foi altíssimo.
Santos prometeu proteger a política de combate à guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) executada atualmente por Uribe.
É triste ver que mais um fanático sobe ao poder. Uribe já havia dado provas suficientes de seu canalhismo e desumanidade. É preciso falar dos Falsos Positivos? Mesmo assim os colombianos elegeram seu sucessor governista. Por um momento cheguei a acreditar que a oposição ganharia e Antanas Mockus seria o novo presidente.
A Colômbia sempre foi o hard case do nosso continente e, apesar de não acreditar na potencialidade de Santos para resolver o problema, espero que se acabem as violações aos direitos humanos. O país precisa, enfim, de paz.

Reaja, América!

Berlusconi: "Siamo il Paese più ricco d'Europa"

Só para perguntar: onde esse homem anda com a cabeça?

e agora minha manifestação oficial: risos!


sábado, 19 de junho de 2010

Edward VI and the Pope: An Allegory of the Reformation


Alegoria da Reforma Anglicana.
Na cama temos o famoso Henrique VIII, que para que pudesse se casar com Ana Bolena se separou do catoliscismo ainda que mantivesse uma religião idêntica àquela de Roma, com a única diferença de não ter o Papa como seu chefe. Henrique VIII passa o poder para o pequeno Eduardo VI de apenas 9 anos, que, durante seu reinado, transformou o anglicanismo em algo totalmente independente e, sob o prisma dos dogmas, diferente do catolicismo. Ao seu lado temos seu Lord Protetor e tio, um dos Seymours. Aos pés de Eduardo temos o Papa e o clero, sem poder e abatidos.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Alguém pensou


"No âmbito das atuais relações burguesas de produção, entende-se por liberdade o livre comércio, a liberdade de compra e venda".

Manifesto do Partido Comunista - Marx e Engels

Festa na Coréia

sábado, 12 de junho de 2010

Il Mio Passato

Spesso ripeto sottovoce
che si deve vivere di ricordi solo
quando mi sono rimasti pochi giorni.
Quello che e’ passato
e’ come se non ci fosse mai stato.
Il passato e’ un laccio che
stringe la gola alla mia mente
e toglie energie per affrontare il mio presente.
Il passato e’ solo fumo
di chi non ha vissuto.
Quello che ho gia’ visto
non conta piu’ niente.
Il passato ed il futuro
non sono realta’ ma solo effimere illusioni.
Devo liberarmi del tempo
e vivere il presente giacche’ non esiste altro tempo
che questo meraviglioso istante.

Alda Merini

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Mulheres Bomba



Choque de Princípios: Liberdade de Expressão e Discursos Preconceituosos

Liberdade de Expressão é indispensável para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, pois se a democracia não é inteiramente regida pelo debate, tem no debate uma de suas principais fontes de legitimação. Isso significa que os regimes democráticos são testados continuamente pelo desejo de se permitir uma completa e franca troca de visões, entendimentos e opiniões. Mas essa situação se torna particularmente estridente quando entre essas visões a serem compartilhadas estão algumas "impopulares"(politicamente incorretas ou injustas). Sob essas circunstâncias, sociedades democráticas se defrontam com o problema da tolerância: elas devem decidir que tipo de discurso proteger e que tipo proibir.
Quando se defende a liberdade de expressão irrestrita, se abre espaço para discursos ofensivas, em que as palavras são usadas como armas para constranger, aterrorizar, humilhar e degradar. Então, por que se protege discursos preconceituosos?
Na visão tradicional, o Estado e seu governo são inimigos históricos da liberdade de expressão e não devem ser autorizados a escolher entre discursos que lhes agradam e discursos que lhes desagradam. Todo discurso, não importa seu ponto de vista, estão no mesmo igual e protegido patamar: são livres.
A favor de discursos preconceituosos está o fato de que restringi-los significa restringir a expressão, que deixaria de ser livre. Além disso, existe o argumento de que qualquer restrição tende a se expandir. Suponha-se que se condene os discursos preconceituosos como prejudiciais aos valores democráticos, o que garantiria que daqui algum tempo essa restrição não se direcione à outros discursos e acabe como uma arma política ou como censura?
Por outro lado, discursos preconceituosos são triplamente perigosos:
1) Para os perpetradores, cujo senso moral é gravemente diminuído;
2) Para os alvos de discursos preconceituosos, que se sentem degradados;
3) Para a sociedade como um todo, já que esse tipo de discurso apenas colabora para a difusão do ódio;
Além disso, discursos preconceituosos criam uma atmosfera de medo, de violência, de exclusão e de subordinação que não podem ser descritos somente como meras "ofensas", como pretendem alguns; seria muita irresponsabilidade e ingenuidade.
Defensores das restrições argumentam que discursos preconceituosos e igualitarismo são inconciliáveis, e o igualitarismo é a garantia primeira do status constitucionalista. Quando a liberdade de expressão contribui para a criação de um sistema social desigual e degradante, o Estado deveria ter a legitimidade para responder.
Quando se fala em liberdade de expressão, se tem em mente que toda e qualquer idéia deve ser ouvida e que o debate de temas públicos deve ser irrestrito, robusto e radicalmente aberto. Nesse contexto, o debate sobre discursos preconceituosos são complexos e interessantes, pois devem acomodar dois princípios fundamentais opostos: liberdade de expressão vs. liberdade de culto, igualdade racial ou outros.
O que se espera é que os defensores radicais da liberdade de expressão como a garantia constitucional que é, sejam também defensores do igualitarismo; a questão para eles é: irão eles proteger a liberdade de expressão em detrimento do igualitarismo ou o contrário?
Como resolver esse impasse? Não sei, mi dispiace!

Jovens Criminosos

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Movimentos Migratórios

Rota da Seda (2) - Jade e Seda

O mais antigo dos produtos a circular entre as cidades-oásis da Ásia Central e a China era a jade. Apesar de ser a mais ancestral das mercadorias, a jade não alcançava longas distâncias, ao contrário da Seda que chegava até a Europa, um dos motivos pelo qual se cunhou o nome “rota da seda” e não “rota da jade”.
O fato é que a circulação da jade perdeu força e expressividade com o desenvolvimento das técnicas metalúrgicas, pois o metal a substituía com maior propriedade. Na China, entretanto, ela continuou como um material importante e, com passar do tempo, adquiriu grande significado simbólico. Confúcio enxergou nela um paradigma para as virtudes humanas que mais admirava: “O homem evoluído encontra as mais desejáveis qualidades na jade. Macia, suave e brilhante, como a benevolência; fina, compacta e forte, como a sabedoria; angular, mas não afiada e nem cortante, como a justiça (...)”.
A seda, por sua vez, era produzida na China e levada até a Europa, marcadamente a mais lucrativa mercadoria levada ao longo da Rota da Seda: era o tesouro do império chinês, pois em nenhum outro lugar do mundo era possível produzi-la.
De acordo com a lenda chinesa, a criação da seda é mérito de Xi Ling, a mulher do legendário Imperador Amarelo (2698-2598 a.C.). A partir da dinastia Han, que investiu enormemente na diversificação das técnicas de produção, a seda adquiriu novas cores, ornamentos e detalhes. Estava mais colorida e algumas representavam paisagens e pessoas.
O comércio dessa mercadoria parece ter alcançado o Mediterrâneo pela primeira vez no segundo século a.C. e foi a primeira commodity a ser exportada do Oriente para o Ocidente. O conhecimento romano sobre a origem da seda era nebuloso: o termo utilizado para os chineses, que a produziam, era ‘o povo da seda’, mas era geralmente aplicado a todos os habitantes a leste da Pérsia.
Em Roma, assim como na Grécia, alguns filósofos associavam a seda ao hedonismo: misto de prazer e decadência, muitas vezes usada como estratagema diante de um adultério. Acreditava-se que as roupas feitas desse tecido tornavam-se excessivamente sensuais e provocava o apetite sexual. Alguns a chamavam de ‘tecido transparente’. De qualquer forma, a beleza, a qualidade e a representatividade econômica manteve a seda muito popular, todos queriam tê-la, tanto que o seu preço estava listado no Edito de Diocleciano (301 d.C.), uma tentativa de controlar a inflação e fixar preços máximos.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Rota da Seda


A Rota da Seda, ou rotas, um dos nomes mais invocados no estudo da História, é uma visão de camelos, comerciantes, brocados e sedas tão coloridas quanto o arco-íris, inspiração de contos, fábulas e de registros históricos antiguíssimos, como, por exemplo, o trabalho de Marco Pólo quando descreve sua viagem de Bagdá, na terra dos Califas, até a China.
Apesar do nome (Seidenstrasse) ter sido cunhado apenas em 1877, pelo explorador e geógrafo alemão Ferdinand Von Richthofen, desde o primeiro século da era cristã os chineses já tinham sua designação própria para ela que, traduzido da língua chinesa antiga, significava “Caminhos para as Terras Ocidentais”. O nome dado pelos chineses parece mais coerente, pois não se tratava de uma única rota, mas de várias, ao mesmo tempo em que, apesar da seda ser o produto mais representativo para o comércio, o percurso era utilizado para vários tipos de produtos e mesmo para o tráfego de pessoas de leste a oeste. O termo “Rota da Seda” acaba por sugerir uma jornada contínua, sendo que, na verdade, os bens eram transportados por vários caminhos, passando por várias mãos antes de chegarem a seu destino final.
Atualmente, muitos utilizam o nome “Rota da Seda” como um termo que cobre não somente uma vasta área geográfica, marcada por montanhas íngremes e por desertos, mas também uma cultura histórica muito rica. As civilizações ao longo da Rota da Seda, incluindo os impérios esquecidos, como o dos Sogdianos e o dos Xixia, e grandes centros urbanos, como Nisa, Merv, Bokhara e Samarcanda. Pelo sul, as rotas atingiam regiões remotas como o Tibete e o Afeganistão.
Muitos mapas mostram a Rota da Seda começando em Xi’an, na China, apesar da grande maioria da seda chinesa ter sido produzida mais ao sul. Formalmente conhecida como Chang’na, essa cidade era a capital do Império Chinês de 206 a.C. até 220 d.C., durante a dinastia Han, quando os imperadores chineses expressaram, pela primeira vez, um interesse considerável pelas terras além das suas fronteiras ocidentais e quando os Romanos mostraram-se igualmente interessados na compra da seda vinda do oriente.
De Xi’an, a Rota da Seda corre para o oeste pelas terras de Lanzhou e, depois, pelo corredor de Gansu até Dunhuang. Essa cidade, situada num oásis, tornou-se um dos maiores centros de cultura Budista da China do século quarto até o décimo. Próximo a Dunhuang, as rotas pelo deserto se dividem. A rota norte principal seguia pelo sul das montanhas Tian Shan e pelo norte do deserto de Tlakamakan, passando pelas cidades-oásis de Hami, Turfan, Korla, Kucha e Aksu, antes de chegar a Kashgar. Essa longa rota era menos direta e menos árdua que a rota sul, que, passando por Charkhlik, Cherchen, Niya, Keriya, Khotan e Yarkand, também terminava em Kashgar. A rota sul foi mais significante do segundo ao quarto século da era cristã.
De Kashgar, uma série de rotas ia para o sul e para o norte, mas de modo geral, os monges budistas escolhiam as rotas que passavam pelos reinos budistas de Gandhara e Taxila, ao passo que os comerciantes iam pelo Norte, passando por Pamirs, Samarcanda e Bokhara, ou pelo Sul, até Merv, onde uma rota os guiava até o Mediterrâneo, via Bagdá e Damasco ou Antióquia e Constantinopla. Entre as cidades-oásis da Ásia Central até o Mediterrâneo, as rotas atravessavam terras inóspitas que engrandeceram o heroísmo de quem as percorriam.
O clima era extremo: as folhas das árvores dos oásis ficavam verdes e depois amarelas, avisando a quem estivesse por lá que o inverno estava se aproximando, o que, para os viajantes, era fatal, pois podia durar até oito meses. Graças aos ventos fortes e frios de Setembro, Outubro se tornava insuportável, com temperaturas alcançando -40°C ou menos. Durante o pequeno e abafado verão, as temperaturas giravam em torno de 38°C. Diante dessas circunstâncias, é imaginável o esforço desses viajantes e de seus animais para vencer as mudanças de clima.
Marco Pólo descreveu o frio quando passou pela região: “Essa planície, de nome Pamir, estende-se por vinte dias de jornada. Nesses vinte dias não existem habitações ou abrigo: os viajantes devem carregar suas provisões consigo. Nenhum pássaro voa por aqui por conta do frio e da altitude. Eu lhe asseguro que, graças a esse frio enorme, o fogo não brilha aqui da mesma cor que em qualquer outro lugar, e a comida nunca cozinha por completo”.
Havia mais problemas: a água era escassa e preocupava as caravanas que cruzavam os desertos, apesar de a maioria delas usarem camelos e dromedários a partir de Dunhuang; a segurança também deixava a desejar, já que bandidos saqueavam os viajantes ao longo de todo o percurso.
A profusão de pessoas, costumes, religiões e línguas, essa mistura nos bazares das cidades da Ásia ocorreu por milênios, marcada pela ascensão e queda de diferentes grupos humanos. Quando a seda era transportada da China até Roma, os Partios mantiveram a centralidade no papel comercial, apesar das barreiras fiscais no oriente e no ocidente. No século oitavo e nono da era cristã, eram os sogdianos que comandavam o comércio, apesar do surgimento de vários estados independentes ao longo da Rota. Por fim, com a expansão ocidental, os europeus dominaram o comércio entre o leste e o oeste, e a China acabou perdendo muito do seu controle sobre os estados a oeste de suas fronteiras.

Piratas do Mediterrâneo

terça-feira, 1 de junho de 2010

A Democracia é possível no Islã?


O termo democracia não faz parte do dicionário do Islã; ele entrou em uso comum apenas na Idade Contemporânea, e em árabe soa como uma transliteração da palavra de origem grega. No Islã, apesar de “democracia” ser entendida literalmente como “o governo ou poder do povo”, a fonte do poder é Deus, que, não exercendo seu poder de maneira direta, delega ao homem a tarefa de ser seu representante na Terra (Corão 2,30), revelando sua vontade por meio do profeta.
Quando de sua morte, Maomé foi substituído por califas com o dever de reger a comunidade segundo as intenções e as regras (morais, políticas e sociais) que Deus manifestou em sua revelação. O Corão enfatiza: a necessidade de promover a justiça e o bem, e de impedir a injustiça e o mal; a necessidade por parte dos governantes de serem justos e da parte dos governados de obedecer; a obrigação por parte dos governantes de consultar com os representantes da comunidade. O livro sagrado afirma, ainda, que todos os crentes são irmãos sem distinção de raça ou de classe. A igualdade dos homens não se refere a um princípio abstrato, codificado em um sistema jurídico ou em um corpo de normas, que valem para qualquer indivíduo, como foi elaborado na Europa com o Iluminismo, mas se refere a uma concreta profissão religiosa, que no Islã, como no Hebraísmo Ortodoxo, é lei. O Islã desenvolveu o conceito de “minoria protegida” (os crentes de outras religiões monoteístas que vivem em um Estado Muçulmano) e, assim como o hebraísmo, reservou para si o pacto e a aliança entre Deus e o povo eleito.
A primeira comunidade de crentes era ligada por um forte senso de solidariedade. Uma afirmação atribuída ao profeta Maomé informa que o sal, a água e os pastos eram de todos, se tratava de um preceito formulado a pró da sociedade beduína, mas que, com o tempo, assumiu um valor universal, indicando a intenção religiosa de salvaguardar o bem-estar comunitário do negativismo individual. Assim, os mesmos princípios políticos de justiça, de obediência e de consultação tinham por finalidade criar uma harmonização entre o sistema de governo e a comunidade dos governados. Do resto, a doutrina política clássica, principalmente aquela sunita, sublinhou que o consenso é um elemento essencial para garantir a eleição do chefe do Estado e a legitimidade de seu poder. “Consultação” e “consenso” podem ser considerados conceitos relacionados à democracia representativa parlamentar, mesmo causando uma dificuldade interpretativa. O grande teórico radical Sayyid Qutb afirmou que “a consultação é uma das bases do governo do Islã”, mesmo sendo sabendo que “para aquilo que é relacionado a consultação, o Islã não definiu uma forma precisa, pois sua aplicação depende das necessidades e das circunstâncias”. A consultação poderia corresponder tanto a um sistema aristocrático quanto a um sistema democrático parlamentar, requisitando da parte dos consultados uma segura competência nas questões de direito e da lei religiosa. A questão da consultação e do consenso são condições garantidas para uma sociedade perfeitamente funcional, ideal e idealizada, como era aquela do profeta Maomé e dos quatro primeiros califas, os chamados “bem-guiados”. Depois que o califado se transformou e depois que a ambição pessoal dos soberanos tomaram frente aos interesses comunitários, nasceu o Estado Patrimonial. O termo que indica o poder real e o estado patrimonial foi descrito pelo filósofo da história política Ibn Khaldun, como “superioridade e obediência da força”, o que aparece como a negação da sociedade perfeita e harmônica que deveria garantir o equilíbrio entre governantes e governados. É conveniente citar que o califa representa o símbolo do estado islâmico clássico: a democracia, então, é entendida como consultação e consenso, em que o soberano detêm um poder arbitrário, sendo que, como qualquer outro governante muçulmano, têm o direito de ser obedecido incondicionalmente a partir do momento em que respeite o Islã e aplique suas disposições. Caso contrário, o povo têm o direito de se rebelar, impondo a defesa da fé e da justiça. Como afirma Sayyid Qutb, “a modalidade da obediência foi prescrita no Corão. É preciso distinguir naquele que governa, o fato de aplicar a lei religiosa e o fato de deter o poder da religião. O governante não recebe seu poder do Céu, ele se torna chefe somente graças a escolha e a liberdade absoluta dos muçulmanos. Cada regime onde se aplica a lei islâmica é um regime islâmico, qualquer que seja sua forma e denominação. A obediência dos súditos é unicamente condicionada e limitada da realização da lei islâmica por parte daquele que comanda”. Assim, no que se trata da consultação, não é claro qual o tipo de regime que se deva instaurar para a lei islâmica. Democracia, aristocracia ou autocracia, tudo parece dar certo quando se respeitam os princípios do Islã.
A falta de reconhecimento de um sistema institucional tem um profundo significado sociológico, como afirma um dos grandes teóricos da revolução iraniana, Ali Shari’ati. Segundo tal teórico, o Islã sustenta a igualdade entre os homens e que a religião é essencialmente um movimento, uma tendência para modificar a realidade (assim como Marx definia o comunismo sendo um movimento que muda o estado das coisas presentes). Portanto, todos os profetas monoteístas foram grandes revolucionários, que lutaram contra os poderes opressivos. Em relação a esses pressupostos, Shari’ati afirmou que “o Islã é a primeira escola de pensamento social, que reconhece nas massas o fator basilar, fundamental e consciente que determina a história e a sociedade”.
A partir do momento em que o Ocidente e o Oriente se encontram, a teoria e a prática política muçulmana sofreram uma verdadeira crise de identidade: a Europa, entre o século dezoito e dezenove começa a mostrar toda a sua potência militar e industrial, toda sua superioridade tecnológica, graças às quais conseguiram submeter ao jogo colonial, de modo direto ou indireto, grande parte do território muçulmano. Muitos muçulmanos sonharam a ocidentalização como meio de reformar seja o islã seja suas estruturas políticas-sociais, ao preço, para os mais extremistas, de rejeitar a religião. Assim, foi fácil entender os conceitos burgueses de liberdade individual, direitos humanos e de democracia parlamentar, como os referimentos teóricos de uma experiência liberal, que é abordada por muitos intelectuais modernos, mas malmente realizada em poucos países, como Egito, Síria ou Iraque. O processo de ocidentalização causou nos muçulmanos um sentimento de tensão e rejeição, fazendo com que eles reivindicassem uma islamização da modernidade, que algumas vezes levou a islamização radical da sociedade e do Estado. O Islã puro foi e é considerado para alguns como uma alternativa real aos modelos importados do ocidente, que aos seus olhos aparentam constituir o único modo de ser da sociedade contemporânea (Segundo o Fim da História - Fukuyama).
A partir da derrota árabe e muçulmana na Guerra dos Seis Dias contra Israel, a dramática insolubilidade do problema palestino, a política agressiva americana no Oriente Médio e o suporte que o Ocidente muitas vezes garantiu aos regimes autoritários da região, desprezando aqueles valores democráticos que os ocidentais insistem em implantar, foi traduzido, por nós, ocidentais, como Islamismo Radical. As desfeitas e a submissão diante dos Estados Unidos e do Ocidente, com “todo seus poderes”, por parte de Israel sionista foram vividas tanto como um castigo de Deus, quanto uma demonstração de que a ocidentalização é uma alternativa ao Islã, e que suas categorias, entre as quais a democracia, não são nem exportáveis nem adaptativas a uma realidade que deseja ser profundamente e totalmente islâmico.
Não é preciso sublinhar muito os fatos históricos, pois é evidente que o modelo democrático que prevalece atualmente, aquele liberal, seja escassamente ou por nada implementável nos países muçulmanos.
A falta de transição nos países islâmicos “democráticos”, de tipo ocidental, não é resultado de fatores religiosos, mas de fatores históricos e políticos. Em primeiro lugar, grande parte dos países islâmicos permaneceu, por décadas, sobre domínio imperialista europeu e, portanto, não pode desenvolver um caminho autônomo rumo às conquistas democráticas. O estado pós-colonial, que nasceu após os movimentos de independência, conservou vícios institucionais e econômicos (a pobreza, o prevalecer das classes dirigentes corruptas, a falta de uma dialética autêntica dos partidos, etc.) que permitiram a instauração de regimes autoritários para governar a transição para o progresso e para a modernização sem desigualdades sociais. Não é por acaso que os movimentos de libertação e os próprios governos que guiaram a transição para a independência e, depois, a própria independência tenham tido um caráter fundamentalmente militar. É claro que o caráter militarista das sociedades médio-orientais islâmicas não favoreceu a caminhada para uma democracia liberal.
As classes dirigentes da maior parte dos países muçulmanos desde o período liberal até os anos cinqüenta e nos anos que os sucederam, principalmente quando as sociedades começaram lentamente o processo de desmilitarização, transformando o Estado em uma reserva pessoal de privilégios. A tomada do poder e o controle exclusivo dos recursos constituíram um segundo obstáculo à democratização.
No Islã existe uma contradição fundamental entre o Estado, a sociedade civil e a nação, elementos característicos da democracia, no verdadeiro sentido ocidental do termo. O Estado não se identifica com a nação e a sociedade civil nem sempre opera a favor do Estado, e vice-versa. O Estado não se identifica com a nação porque o conceito de nação é de importação ocidental e de recente difusão nos países islâmicos: o califado era, por sua natureza, supranacional; e somente a sua crise política e teórica que abriu de fato a estrada para a criação de nações. A sociedade civil raramente opera à favor do Estado porque é ele que a domina, condicionando o desenvolvimento e a pluralidade, assim como acontece, por exemplo, através do controle da mídia e da restrição dos espaços de participação política.
O grande desafio do futuro é a formação de um conceito e de conteúdos de uma democracia islâmica. É irreal pensar em transportar o conceito político democrático ocidental em territórios que tiveram uma história e um horizonte teórico diferente. A necessidade da formulação e da implementação de uma democracia islâmica é imposta seja para salvaguardar a tradição cultural de países e sociedades que, após o contato com o ocidente, passaram por um lacerante processo de alienação; seja porque o conceito ocidental de democracia levou ao falimento que arriscou prejudicar o significado e a funcionalidade diante da opinião pública. Isso significa que a democracia islâmica é livre de adotar eleições e instituições como o parlamento. A questão dos direitos humanos é um assunto difícil de ser abordado, pois muitos intelectuais islâmicos, também progressistas, sublinharam como a universalidade dos direitos humanos seja um preconceito do Ocidente, que impõe a própria visão como universalmente válida (como se fosse um colonialismo cultural). O conceito de direitos humanos no Islã e no Ocidente possuem elementos diferentes. O Islã também reconhece o direito à liberdade, à propriedade, etc. Porém, de um lado, esses direitos são sancionados por Deus e não por um homem. Por outro lado, a dimensão comunitária do Islã prevalece àquela individual. Atualmente, muitos intelectuais islâmicos estão trabalhando em um profundo repensar da lei islâmica na direção de uma releitura sobre as liberdades civis, direitos humanos e pluralismo político e religioso.
O Ocidente tem que reconhecer, antes de tudo, que não é esse o momento de impor a democracia no Oriente Médio, e que é necessário difundir o liberalismo constitucional, que é um assunto ainda ignorado pela população daquela região.
Para quem pensa que o conflito pertence somente ao mundo árabe e que eles não mudaram nunca, é necessário lembrar que, vinte e cinco anos atrás, as grandes manifestações violentas anti-americanas aconteciam em países com Chile, México e Coréia do Sul. As razões eram as mesmas: o povo não gostava os regimes que os governava e viam os Estados Unidos como os responsáveis por esses regimes. Depois, aquelas ditaduras começaram um processo de liberação, a vida das pessoas melhorou, houve reformas políticas graduais seguidas de um abertura democrática. Com o passar do tempo, o sentimento anti-americano foi reconduzido à protestos contra a americanização da cultura.
Somente quando as manifestações de praça contra o Mc Donald's forem a única forma de anti-americanismo que deveria nos preocupar, o Oriente Médio terá alcançado grandes progressos.

Justiça para Todos